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Imperialismo é Péssimo

O IMPERIALISMO COMO FORMA DE DOMINAÇÃO DESCONSIDERA POR ABSOLUTO QUESTÕES HUMANITÁRIAS.

Conteúdo elaborado pelo presidente da Comissão de Ética (COE) do CRP SP, psicólogo (CRP 06/142583) Murilo Centrone Ferreira e conselheira membra da COE, psicóloga (CRP 06/66501) Luciane de Almeida Jabur

São Paulo, 08/02/2024

3 Minutos.

O fazer profissional da Psicologia orienta-se pelas demandas e necessidades da população, melhor dizendo, pelas realidades políticas, econômicas, sociais e culturais que organizam as relações humanas, sendo a produção da subjetividade uma de suas dimensões em relação com o que incide na produção do sofrimento.

Assim, conforme explicitado nos princípios fundamentais do Código de Ética Profissional da Psicologia, faz-se necessário que possamos analisar a realidade de maneira crítica e histórica para que a prática da Psicologia seja responsável e respondente ao seu compromisso ético-político, que é com a vida digna a todas as pessoas.

Desta forma, ao compreendermos os processos colonizatórios e racistas que organizam o cotidiano em nosso país e continente, trazemos apontamentos e reflexões sobre o imperialismo, que de maneira perversa nos convida à manutenção de nossa opressão.

De maneira simplificada, como é possível relacionar ética e imperialismo na atualidade?

Para relacionar ética, depois, ética profissional e as dinâmicas globais impostas pelo imperialismo, precisamos dialogar brevemente sobre o que é imperialismo. Ou seja, de maneira muito reduzida, podemos assumir que, trata-se da relação em que determinadas nações (ou nação) organizam-se para se sobrepor a outras em privilégio de seus interesses econômicos e políticos.

Tais articulações se dão dentro do capitalismo na sua condição monopolista. Manifesta-se de muitas formas: a partir do fomento da militarização e na produção de guerras, na disputa por territórios, na execução de políticas econômicas externas em privilégio à dominação irrestrita de mercado, na aplicação de sanções econômicas e comerciais a territórios, na desumanização de povos, na dominação cultural e estética, imbricando questões de gênero, raça e classe.

De olho na Indústria Cultural

Ou seja, todo um aparato ideológico cujo resultado imediato é a promoção de diversas formas de violência. Sendo o imperialismo um fenômeno que se realiza a partir de práticas coloniais e neocoloniais, devemos considerar o que isso produz objetivamente na realidade concreta. O destaque aqui é para o fato que a busca de tal dominação, nas dimensões em que o imperialismo atravessa, desconsidera por absoluto questões humanitárias e éticas.

Neste sentido, estamos falando também sobre o ideal civilizatório, um modelo de sociedade estabelecida para a produção e o consumo, desumanizou a população não branca e atribuiu as suas formas de existência à ideia do primitivo, que usa essa ideia de progresso para avaliar a performance de outros países sem considerar, e/ou sem assumir, ao que estão submetidos, originados historicamente pelos sistemas coloniais e sustentados na atualidade pelas novas formas de colonialismo.

Nessa relação aética, outorgam a si o poder de tutelar outros estados, como acontece reiteradamente em relação à Amazônia no território brasileiro. A floresta, tal qual existe atualmente, sem considerar o desmatamento e as intervenções com fins comerciais, é ocupada e fruto de milênios da ação indígena, motivo pelo qual dela resulta biodiversidade – uma versão presente da dimensão ética estabelecida entre o manejo de indígenas e a floresta.

Sangrando as raízes seguras da originalidade

Reconhecida a importância da floresta, em nenhum tempo foram reconhecidos os povos da floresta, aquelas e aqueles que foram e continuam a serem exterminados, por não serem considerados humanos, por terem sido considerados menos humanos posteriormente, por não dialogarem em benefício ao projeto civilizatório dos países dominantes.

As pessoas indígenas, responsáveis diretas pela constituição da floresta como a temos, não receberam o devido reconhecimento e são exterminadas sistematicamente pelas políticas e formas de organização econômica e social do mundo capitalista. As mesmas que promovem a extração e a produção de itens de consumo e geram lucro aos países, que posteriormente vão reivindicar a floresta para si, em função do seu desmatamento.

Não é incomum escutar, de tempos em tempos, que a Amazônia é patrimônio da humanidade, sobretudo vindo de países europeus e da América do Norte. Na mesma medida em que vão promovendo esse ideário de “cuidado” (interesses), vão propagandeando e fomentando maneiras e maneiras de ocupação, das ideias e dos territórios.

Para ilustrar, referenciamos os filmes de guerra que apresentam a luta irrestrita pela “liberdade” do modo de vida americano, o desenho animado que nos diz da difícil ou impossível empreitada dos animais de um zoológico de Nova Iorque em tentar voltar ao seu habitat natural, mas que resulta ao final, na busca incessante de voltar para “casa”, no caso, para o zoológico. O animal africano, enjaulado em Nova Iorque, descobre ao final que é melhor para ele voltar para jaula.

A estética da dominação

Também não nos esqueçamos do Tarzan, que continua sendo o rei da selva, diante dos animais, e mais uma vez a branquitude demarca seu lugar na estética hollywoodiana. São esses atravessamentos que também constituem as políticas imperialistas no mundo, além das incessantes guerras promovidas em países do Oriente, do Oriente Médio e em África, que não geram a mesma comoção popular quando o mundo branco é minimamente atingido por qualquer conflito.

Imperialismo é Péssimo
Onde os tesouros estão. Lobos e águias afiam suas presas. (Img. Web)

Isso para dizer que, onde há imperialismo, certamente não há ética, a partir de seu fundamental lugar do bem comum, desde Abya Yala.

Qual o papel da Psicologia nessa conjuntura? Neste sentido, a Psicologia no Brasil assumiu um lugar de atuação com compromisso social e de garantia de direitos a todas as pessoas. Faz isso a partir do conhecimento crítico sobre o que atravessa os fenômenos sociais e as subjetividades para se colocar de forma implicada e atenta às demandas da nossa sociedade.

Entretanto, não só a Psicologia, mas todas as ciências que se propõem caminhar dentro de uma perspectiva de superação das contradições, na proposição de uma sociedade outra.

Diferente da que estamos vivendo, em que o resultado de tais políticas, ainda orientadas para a manutenção de privilégios, alimentam o racismo, as violências de gênero, o capacitismo, a LGBTfobia, a gordofobia, o etarismo, entre outras.

O que fazer?

Assim, a nós, da Psicologia, cabe a tarefa de compreender criticamente o mundo e não mais produzir conhecimentos e práticas que venham a servir esses ideais, como no passado, a partir dos projetos eugenistas . Também a partir da culpabilização individual por problemas que são sociais, por exemplo. O projeto imperialista não está distante destas questões e, por isso, vai se reinventando sempre, condição do próprio capitalismo.

Enquanto profissionais da saúde no atendimento às demandas e necessidades da população, a Psicologia tem sua função social eticamente marcada por valores emancipatórios. Pela indissociabilidade entre Psicologia e Direitos Humanos, considerando que suas violações é o que, sobremaneira, produz sofrimento, aniquilação e morte na população brasileira.

Qual deve ser o posicionamento de psicólogas e psicólogos CRP/SP diante dessas questões?

Podemos ter opiniões divergentes, diferentes, sobre como as psicólogas devem se posicionar sobre tais questões. No entanto, o entendimento é que a realidade segue sendo um parâmetro da verdade sobre nossas ações. É a partir dela, de toda atuação que se deve partir a reflexão entre a realidade concreta e o campo das ideias.

Deste modo, não seria adequado, no mínimo, aderir à qualquer perspectiva que não tenha lastro de concretude. Sob o risco, por exemplo, de fazer das nossas ciências humanas e psicológicas um instrumento de promoção de estigmas, equívocos, violências. Estas são as práticas de reversão da sexualidade, a patologização, medicalização e culpabilização de crianças pela estrutura violenta da educação brasileira, a privação de liberdade e de direitos no cuidado à saúde mental, a realização de práticas reificantes de adaptação e ajustamento – para citar algumas.

Portanto, a posição escolhida, no campo da produção de saber e no exercício profissional, tem um lugar outro, uma vez que não pode estar desacompanhada de uma perspectiva teórico-metodológica, de conhecimento crítico e pautada pela ética no exercício profissional. Desta forma, para não cairmos no fatalismo, nem na imobilidade diante de tantas questões complexas que nos atravessam, retomamos Freire:

Gosto de ser gente porque, mesmo sabendo que as condições materiais, econômicas, sociais e políticas, culturais e ideológicas em que nos achamos geram quase sempre barreiras de difícil superação para o cumprimento de nossa tarefa histórica de mudar o mundo, sei também que os obstáculos não se eternizam.”

Trecho retirado da página 23 do livro “Pedagogia da autonomia: Saberes necessários à prática educativa”, do educador e filósofo Paulo Freire.

Revista PSI

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Redação

ÆscolaLegal é um esforço coletivo de profissionais interessados em resgatar princípios básicos da Educação e traduzir informações sobre o universo multi e transdisciplinar que a envolve, com foco crescente em Educação 4.0 e além, Tecnologia/Inovação, Sustentabilidade, Ciências e Cultura Sistêmica. Publisher: Volmer Silva do Rêgo - MTb16640-85 SP - ABI 2264/SP